Nascido e criado na Cidade de Deus, no Rio de Janeiro, o rapper MV Bill, de 47 anos, sempre pautou seu trabalho com denúncias contra a ausência do poder público nas comunidades carentes. Em seu novo trabalho, o álbum Voando Baixo, que chega às lojas nesta sexta-feira, 30, a indignação ganha mais um alvo: o descaso com a saúde durante a pandemia e os efeitos nefastos nas favelas. Logo no início da pandemia, antes de lançar o disco, o rapper lançou o single Quarentena, em que pedia para as pessoas, especialmente a comunidade nas favelas, ficarem em casa e usarem máscara.
O cantor, que também é escritor, ativista social e produziu o documentário Falcão - Meninos do Tráfico (2006), fala sobre a realidade atual das favelas e não se surpreende com a falta de atenção do governo com os mais pobres. "A pandemia só veio para explicitar essa realidade", afirma. A saída, segundo ele, é não esperar soluções do poder público e mobilizar os moradores em prol deles mesmos. É o que ele canta, por exemplo, na faixa Noiz Mermo. "O título da música é uma gíria sobre auto-representação, muito conhecida nas comunidades", explica. Embora incisivo em suas composições, o 12º álbum de MV Bill também reserva espaço para canções românticas, como em Sintonia Real e no Calor da Emoção, que falam sobre a alquimia sexual de um casal. Leia a seguir os principais trechos da entrevista.
Você é nascido e criado na Cidade de Deus, no Rio de Janeiro. Como vê hoje a atuação do estado nas favelas? Hoje eu não moro mais na favela. Mas moro bem perto e antes da pandemia eu ia todos os dias na Cidade de Deus. Meus amigos e a minha mãe ainda moram lá. Vejo as pessoas falando do descaso atual com as favelas. Mas esse descaso é antigo. Algumas gestões fazem menos descaso, outras fazem mais. A verdade é que a favela, desde o começo da sua existência, é o próprio retrato da falta de atenção dos governantes. A pandemia só veio para explicitar ainda mais isso. A pandemia até pode estar desenhando ainda mais esse desequilíbrio social, mas isso nunca foi segredo para ninguém. A gente sempre soube que a favela seria mais vulnerável a qualquer coisa: frio, chuva, vento, dengue e, agora, o coronavírus.
Você perdeu amigos ou familiares para o Coronavírus? Perdi muitos amigos da música, pessoas da arte, pessoas próximas e da Cidade de Deus. Vi de perto o estrago que a doença fez e está fazendo. É muito triste perceber que algumas pessoas, mesmo vendo as outras morrerem ao seu redor, ainda assim, não acreditam. Se negam a usar máscaras, querem abraçar, cumprimentar com as mãos.
No ano passado, você lançou o single Quarentena, alertando as pessoas a usarem máscaras, lavar as mãos e manter o distanciamento social. Manter todas essas medidas de segurança é mais difícil nas favelas? Na música eu faço um alerta para as pessoas nas favelas. Se elas também não tiverem um comportante que cuide de suas próprias vidas e dos seus, elas vão estar entregues à própria sorte. Eu peço na música para que elas fiquem em casa o máximo que puderem, mas entendo também quem precisa sair para trabalhar. O ideal é que todos tenham o máximo de proteção, inclusive a caminho do trabalho. A verdade é que há um comportamento errático dos dois lados. Muita gente no governo negou a existência do vírus e não agiu de maneira correta ou da maneira mais rápida. Vimos muitos playboys fazendo festinhas particulares em condomínios, mas também vimos muitas festas nas favelas, bailes funk e festas nas ruas. Há um mau comportamento de todas as partes no pior momento. A situação hoje está mais grave do que há um ano. Paradoxalmente, as pessoas estão mais descrentes e mais descuidadas com a doença.
Na música Noiz Mermo você diz que a única saída está em nós mesmos. O que falta para a periferia despertar? Essa é a grande pergunta. A gente leva tapa na cara, é enforcado, esganado. O que falta para a gente despertar? A periferia tem que apostar neles mesmos. O Brasil tem que contar com os favelados, com os pretos, com os indígenas e também com os brancos. Não basta você ser contra o racismo. Você tem que ser antirracista. Algumas pessoas estão vivendo na “gozolândia”, curtindo iate, praia, cachoeira e ficam alheias aos problemas. Hoje, não dá para uma pessoa dizer que não gosta de política. A política rege a sua vida. Se a gente discorda de algo, a força está com quem? Em nós mesmos. A gente não pode continuar depositando nossa esperança de mudança no outro que não nos entende. Precisamos apostar em nós mesmos.
A Cidade de Deus está melhor hoje do antigamente? Acho que melhorou o aspecto cultural, mesmo na pandemia tem surgido bastante músicos novos em diversas áreas. Também na área política, muitos jovens estão começando a protagonizar mudanças e entendendo que se envolver é uma forma de mudar as coisas lá dentro. Por outro lado, tem coisas que não mudam. Tem confronto de polícia com bandidos. Isso acontece também em outras comunidades. Infelizmente isso é uma cultura do Rio de Janeiro. A quantidade de jovens que veem no tráfico de drogas uma forma de ascensão ainda é grande. Enquanto essas coisas continuarem acontecendo, não dá para dizer que está tudo bem e que a favela venceu.
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fonte:msn